13.5.10

Ovos de Touro

Download para meu ebook de contos, Ovos de Touro. A capa é horrível. Eu nem sabia que ele estava disponível no 4shared. Então resolvi colocar o link aí, caso alguém queria baixar para ler.




7.4.10

Raizonline

Ando na correria, sem tempo para quase nada. Nisso deixei passar, o site português Raizonline (http://www.raizonline.com/cinquentaetres/index.htm) faz um trabalho que une escritores de língua portuguesa. Um belo trabalho para publicar e unir pessoas pela literatura. O Diretor Interino do site, Daniel Teixeira me solicitou um conto para publicar no site. Acabou escolhendo o conto, Brigitte Bardot. Taí no link: http://www.raizonline.com/trintaedois.htm
                                                     

22.1.10

Brigitte Bardot

Brigitte Bardot. Era isso. Brigitte Bardot. Quando jovem. Sim, quando jovem. Eu sabia. Aposto que ali ninguém sabia, ninguém havia pensado nisso. Todos os homens olharam, todos os caras viraram o pescoço. Era linda. Linda como uma francesa. Uma francesa com biquinho. Sim, ela fazia biquinho quando falava. Eu vi. Vi. Ela pediu um xis salada. Um xis salada completo; com carne, alface, ervilhas, milho, maionese e ovo. O cara da lanchonete chegou para fazer o pedido.
- Um Xis Salada - ela disse. Com biquinho, ela fez biquinho, parecia uma francesa, parecia Brigitte Bardot. Linda. Linda.
- Completo?
- Sim, completo. Com ovo.
Com ovo, ela disse. Com ovo, disse ela com biquinho. Fez um lindo biquinho ao dizer a palavra. Uma palavra nunca se tornara tão bonita para mim. Os caras disfarçavam e olhavam. Eu também. Parecia uma visão, parecia não existir. Aposto que eles não sabiam. Ninguém sabia, apenas eu. Eu sabia, ela parecia a Brigitte Bardot. A cara, o focinho. O corpo. Ah, o corpo. Brilhava, parecia brilhar. Brilhar não. Iluminar, ela iluminava, era iluminada. Parecia uma visão. Parecia não existir. Beleza. Aquilo era beleza. Aquilo era A beleza. Atraía. Atraía os corpos ao seu redor. Atraía meu corpo. E fazia biquinho. Pediu uma Coca, com biquinho. Não tinha. Uma Pepsi. Vai de Pepsi. Fez bolinha. Era o gás. Eu sabia. As bolinhas subiram, ela bebeu. Os lábios, os lábio molhados, as bolinhas.
Dei uma dentada. Brigitte Bardot. Dentadas. Mordi meu xis. Xis Galinha. Ela gosta de bichinhos. O meu era sem maionese. Mordidas. Dei outra. Queria ela. Queria poder mordê-la.
- Salta um Xis Salada completo. Berrou o cara.
Com ovo, pensei. Com ovo. Ela agradeceu. Mordeu. Queria mordê-la. Olhos grandes, azuis, brilhavam. O cabelo também. Dourados, ondulados. Seu corpo, ondulado. Montanha. Queria subir em sua montanha, meter a cara ali. Sim, entre elas. Entre ela. Queria uma assim.
- Mais um refrigente - pedi. Já sei. Sim, pode ser. O meu também fez bolinhas. Ela engoliu. Outro pedaço. Mastigou, engoliu, comeu. Eu queria comê-la. Engoli-la. Ver ela engolir. Com biquinho. Era linda, deveria ser lindo de sê ver. Sem maionese, o meu. Ela gostava com. Deixou um poquinho no canto da boca. Eu vi. Ficou ali enquanto ela engolia. Maionese. Ela limpou depois. Brigitte Bardot. Comi meu xis. Acendi um cigarro. Fiquei matando tempo, para vê-la. Para vê-la comer. Para vê-la existir. Os caras disfarçavam. Eu também. Depois arrisquei mais. Fiquei encarando por um tempo. Um breve tempo. Ela me olhou. Eu vi. Ela viu. Os caras viram. Eu tremi. Sou um merda. Eu tremi. Brigitte Bardot. Desviei o olhar. Garrafa, mesa, parede, tragada. Sou um merda. Eu queria vê-la nua. Não ali. Podia ser. Imaginei ela nua. Ali, fora dali. Na minha cama, numa cama. Parecia não existir. Ela mordeu novamente. Mastigou, engoliu, bebeu um gole de refrigerente. Xis salada. Ela gosta de Xis Salada. Linda daquele jeito. Brigitte Bardot. Terminou o xis, o refrigerente. Depois pagou. Foi embora.
Foi embora.
Foi embora.
Foi embora.
Foi embora.
Brigitte Bardot. Eu sabia. Ninguém ali sabia.
Queria vê-la nua.
Xis Salada, com ovos.
Eu lhe mostraria.
Queria comê-la.
Brigitte Bardot. Eu sabia. Ninguém ali sabia. Aposto.

18.12.09

..............

7.12.09

Papo-furado

Tinha toda aquela história de Coca-Cola, passeios no parque e mulheres que podiam voar. Pedi a minha (Coca), com gelo. Depois acendi o cigarro e notei que ela vigia meus gestos. Traguei e lancei a fumaça antes de arrotar minhas palavras sem sentido. Daí engatamos algo que deveria ser uma conversa entre duas pessoas fingindo serem normais. Mais veio a tal história que mulheres poderiam voar e quase ri. Ela afirmava que existia e que algum dia me mostraria. Continuei bebendo a Coca, fumando o cigarro. Ela falava, falava e dizia que Porto Alegre é linda a noite, que adorava ver os velhos navios ancorados no cais do Porto. Falou sobre as luzes dos postes em noites geladas e mais um monte de babozeiras que eu fingia gostar.

Alabama, chetchup, chicletes de hortelã

Alabama, chetchup, chicletes de hortelã. Passavam todas as imagens em minha cabeça. Todas e elas sumiram com a estalido que fez a porta do ônibus quando abriu. Alabama, eu me imaginava lá, tomando sol e vendo garotas sorridentes com bochechas rosadas. Todas correndo como doidas, felizes em irem a lanchonete para devorarem volumosos hot dogs com chetchup. Então entra aquela garota de pernas grossas, linda. A barriga da perna forte como aço, roliça. Entrou e parou na roleta. Fiquei ali olhando, observando suas pernas de seis da manhã, indo para o trabalho. Um trabalho que parecia ser fodido. Umas pernas daquelas, e eu só tinha chicletes de hortelã para oferecer.

Quatro paredes

Era como ver um velho guarda-chuva encostado e esquecido num canto da parede. Um lugar perdido no vácuo do passado. Um monte de papel higiênico sujo embolado no fundo de um saco de lixo. Marcos observava o mar ilusório de concreto da janela do minúsculo apartamento. Era a lembrança absurda e borrada de investidas mal suceditas, a lembrança de Carol que o assombrava como um spectro sádico. Era a cuspida de Carol e de todas as mulheres que lhe esmagava as víceras.

Manhã: 9h Um Raio de Sol

 Joana, pelas manhãs se dirigia até a varanda. Ficava ali e bebia seu café, deixava as luzes alaranjada do sol aquecerem seu corpo. tudo brilhava ali, parecia que o sol tinha prazer em banhar, lamber seu corpo. eu servia-me de mais uma xícara de café, tragava o cigarro, e olhava satisfeito e feliz como um pardal na primavera.

Quatro Dias

Quatro dias. Joana trancou-se no banheiro. Bebia, comia, chorava e olhava-se no espelho embaçado. Ricardo sumiu e ela decidiu não mais amá-lo. Vomitava e fazia sair sangue pela boca. Deixava o filete escorrer pelos lábios. Deixava escorrer e depois cuspia tudo no ralo da pia. Desejava também cuspir Ricardo, cuspí-lo e vê-lo escorrer ralo abaixo. Não haveria mais assaltos a bancos, não haveria mais nada que planejaram. Não havia nada além das paredes do banheiro gelado. O México continuaria apenas um país ao longe.

Hot Babes

carlos sentou-se em uma cafeteria. Acendeu um cigarro como fazia de costume. Pediu uma xícara de café e esperou. Enquanto esperava por Susana pensava na mulher do outro lado da rua. Observava o corpo dela, tudo estampado num gigantesco out-door. Hot Babes, dizia. Pensou em anotar no guardanapo o número do telefone anunciado. Só para ver se aquelas mulheres gigantes que invadiam a cidade existiam mesmo.

Foi no fim da primavera

Logo após o fim da primavera o sol despontou como um foguete furioso. Marcos passava os dias zanzando como uma mosca pelo bairro. Não havia muito que se fazer sem emprego e com todo aquele calorão desgraçado. O mormaço nos absorvia, grudava como visgo e uma deixava uma moleza nos corpos dos cães e dos homens. Todos com a língua de fora.
- Porra! Não agüento mais este calor.
Nada se movia, árvores, folhas. Apenas o mormaço nauseante e a poeira vermelha que levantava quando passava um automóvel na antiga estrada de chão batido.
Neste tempo de calor quase insuportável, Carlos tornou-se amigo de Juan. Juan é um cubano que surgiu do nada no bairro. Ninguém sabia ao certo sua verdadeira história. Nem mesmo Carlos, com quem ele iniciou uma grande amizade. Carlos sabia que ele amava a ilha e detestava os políticos que governavam o país. Também sabia que numa pequena balsa ele e mais quatro homens enfrentaram tubarões e chegaram a Miami. Isto ele contou a Carlos. “preferi enfrentar os tubarões que continuar naquilo que está instalado lá.” dizia Juan sem esconder a tristeza em seus olhos. Ele falava sobre quando andava pelo Malecon e observava o mar do Caribe estendendo-se no horizonte. “Lindo. O entardecer diante de mim com aquele mar, as cores que se formavam no céu. As mulheres com suas bundas fantásticas, zingando como se flutuassem sobre as sandálias desbeiçadas. Se insinuavam fazendo esquecer toda miséria e fome. Lindas”.
Carlos voltou do bar. Não estava lá Juan. Bebeu uma cerveja e voltou arrastando-se por causa do calor. Peito nu vestia apenas uma bermuda e chinelos. Entrou em casa e secou uma garrafa de água. Bebeu no gargalo e sentou em frente à porta de sua casa. Fumava um cigarro quando sua mãe o chamou com um berro estridente como se uma tragédia tivesse acontecido. Carlos tragou o cigarro e sua mãe surgiu.
- Aquele lagarto apareceu novamente para comer os ovos das galinhas.
Carlos soltou à fumaça.
- Onde ele está?
- Acho que ainda está lá atrás da casa no ninho das galinhas.
- Juan deixou a espingarda?
- Sim, sim! Disse que você ficasse com ela. Por causa dos roubos que andam acontecendo por aqui.
- Vou dar um tiro naquele lagarto.
Carlos deu a última tragada no cigarro e levantou-se. Entrou na casa e foi ao quarto, sobre o velho roupeiro encontrou a arma. Meteu as balas e saiu rápido.
- Vá antes que ele saia de lá – disse sua mãe.
Carlos contornou a casa o mais rápido que pode, tentando não fazer barulho. Espiou e viu o bicho lá. Teve nojo, engatilhou a espingarda e mirou. O lagarto estava estático, lambendo-se com aquela língua horrível. Carlos viu os ovos quebrados, o lagarto sobre o ninho esbanjando-se. A língua novendo-se para fora da boca, a barriga pesada, estufada com os ovos. O suor escoria no corpo de Carlos, suas axilas grudavam e sua mãe espiava a ação.
Carlos continuou mirando. Estava a alguns metros do lagarto que percebeu sua presença, Carlos segurou a respiração para não se mexer. Tinha que ser rápido antes que o bicho desse o fora. O lagarto virou a cabeça para o lado, Carlos tentou acompanhar com o cano da espingarda. Mirou no olho do lagarto, apertou o gatilho e disparou. O lagarto saltou com o impacto, ficou caído estrebuchando no chão.
- Acertou? – gritou a mãe de Carlos. Curvado e segurando a espingarda Carlos correu até o animal. Encontrou-o tremendo a cauda, o olho esquerdo esfacelado. O sangue espalhando-se sobre a cabeça do lagarto. A mãe de Carlos aproximou-se com cuidado e curiosidade. Ele está morto? – perguntou ela.
Ainda não – respondeu Carlos, engatilhando novamente a espingarda e dando um disparo no ventre do animal respondeu.
- Agora está.

Mais de Menos

Enquanto olhavam a água turva, Joseias pensava num frango assado. Estavam mergulhados naquela merda. Isalda segurava as lágrimas com os olhos fixos num pequeno redemoinho que se fazia no riacho.
- Tenho vontade de aterrar este riacho – disse, Isalda.
- Porquê? – perguntou Joseias surpreso, o frango assado ainda estava na sua cabeça.
- Acho tão triste. Tão triste isto tudo. Nós, o riacho, a fome. Tentamos de tudo para sair desta situação. Os peixes que morreram aqui, morreram assim como nós vamos morrer. Sufocados, sem nenhuma chance. Queria jogar toneladas de terra neste riacho. Acabar com tudo.
Joseias pregou os olhos em Isalda.
- É só uma questão de sorte. De tê-la ou não – Argumentou Joseias. Isalda ficou quieta. Voltou-se para o riacho e suspirou profundamente.
- Sempre vivemos atolados na merda. Agora só resta este riacho com peixes mortos. Pensei que podíamos ter uma vida melhor. Tudo acontece contra.
Joseias voltou o olhar para o riacho. O redemoinho aos poucos se desfez.
- Eu queria comer um bom frango assado. Eu só queria isso. Um grande e suculento frango assado. Nada mais – disse Joseias.
- Quanto mais lutamos, menos temos. Estou cansada. Eu queria aterrar este riacho. Esquecê-lo. Esquecer os peixes que morreram aqui. Esquecer que tivemos esperança.
- Lembra quando eu saí semana passada? – perguntou Joseias.
- Lembro.
- Eu vi um galinheiro. Não fica muito longe daqui. Desde então lembrei o que tinha esquecido. Lembrei do sabor de um frango assado e isto não sai da minha cabeça. Um frango assado.
- Joseias…
- É isso. Esta noite vou lá. Vou lá e vou pegar um frango gordo. O maior, o mais bonito. Vou pegar um frango e nós esqueceremos este riacho. Vamos ter um jantar de rei. Eu mesmo vou assá-lo. Teremos um suculento frango assado.
Isalda levantou-se lentamente. Não tinha forças nem mesmo para o desespero. Estava entregue, os olhos marejados. Joseias pensava no frango, no galinheiro, no jantar de rei.
- A única coisa que tenho vontade é de aterrar este riacho. Não quero mais ele. Não quero mais ver esta água e lembrar dos peixes que morreram aqui, junto com nossos sonhos. Não quero mais este lugar. Sempre tivemos mais de menos. Você entende? Mais de menos. Estamos mergulhados na merda. Uma vida de merda.
No horizonte filetes alaranjados se desenhavam. As árvores lançavam monstruosas sombras sobre Isalda e joseias. A água turva não refletia mais a imagem dos dois.
- Vamos embora daqui – disse Joseias. – Essa será nossa última noite neste lugar.
Joseias esperou a noite, pegou uma faca e pediu para a mulher ferver uma panela com água para esperá-lo. Joseias tinha o frango em sua cabeça. Imaginava-se saboreando o animal, a cor dourada da pele assada, a carne branca se desmanchando em sua boca. Joseias colocou a faca na cintura e saiu.
Meia hora depois ele chegou ao galinheiro. Entrou sorrateiro e logo pegou um frango pelo pescoço. Num gesto rápido e certeiro passou-lhe a faca no pescoço. A pressa foi tanta e o golpe tão forte que a cabeça do animal foi decepada. Joseias deixou-a no chão e carregando o frango embaixo do braço saiu correndo até sumir entre as árvores mergulhadas na noite.
Isalda fervia a água quando Joseias bateu na porta. Entrou esbaforido, o coração a ponto de explodir. Ao ver Isalda sorriu triunfante e mostrou-lhe o frango com a cabeça decepada, sua mão estava tingida de sangue. Isalda não se importou e logo tratou de depenar o bicho escaldando-o com a água que fervia. Alguns minutos depois Joseias assava o frango sem esconder o sorriso no rosto.
O frango ainda estava na sua cabeça.

Água Turva

Cíntia olhou o Rio Guaíba lá embaixo. Água suja. Era assim que ela se sentia. Suja, feia, sem esperanças. Porto Alegre lentamente mergulhava numa noite morna e deserta. O Guaíba continuou dançando e seduzindo-a, como um monstro terrível.

O Cara do MIG

Teve também aquele cara que adorava os aviões de caça Russo. Especialmente os Migs. Tinha uma porção de pôsteres, revistas e livros sobre os tais caças soviéticos. Cheguei a ver alguns, eram realmente interessantes e belos aqueles aviões. Eu ficava imaginando algum russo louco encaixado dentro de um daqueles Migs. Um frio de foder e o piloto lá, demente o suficiente para fazer manobras sobre a Cibéria, despejando uma rajada de metralhadora, disparando foguetes sobre alvos inimigos. Toda agilidade dos Migs em ação, surgindo e desaparecendo por trás de montanhas cobertas de neve, riscando o céu cinzento.
“Um caça bom para manobras e os Russos loucos para abater os fodidos caças F15 e 16 da porra dos americanos”, dizia Rubens, o cara louco pelos Migs. “Eu queria pilotar uma belezinha dessas e riscar o chão num rasante, disparando contra os homenzinhos lá embaixo. “Todos se cagando de medo”, completava Rubens quase em transe, imaginando à cena.
O cara veio parar aqui na pensão numa noite calorenta de março. Estava tudo uma merda só. Um calor fodido daqueles e eu aqui nessa pensão de merda rodeado por baratas e insetos que voavam ao redor da lâmpada pensando que era algum tipo de astro celeste. Talvez um sol, um planeta ou uma lua, qualquer uma dessas porras. Pelos menos eu imaginei isso, os insetos como seres do espaço voando ao redor de um planeta luminoso. Uma noite que só tinha restado o tédio. Até mesmo a Leila, uma garota que trabalha numa boate não estava aqui. Uma bunda que é qualquer coisa de fantástica. Então chegou o cara com sua maleta, pediu um quarto e subiu. Minutos depois ele apareceu aqui embaixo e falou dos tais caças Migs. Quase toda noite ficávamos batendo papo, ele me mostrou os pôster, revistas e tudo que tinha sobre aqueles aviões. Duas semanas depois o cara se mandou. Me deixou de presente um velho pôster de um Mig 21. Porra, esses Migs são de foder.

O Amor Perdoa Tudo

A jogada foi boa. Nadinho deu a primeira tacada com força e as bolas espalharam-se pela mesa. Caiu uma, duas, e uma terceira insinuou-se na caçapa, lambeu a borda e caiu suave. O silêncio tomou conta do bar, cortado apenas pelo rolar da bola 5 caçapa adentro. Nadinho continuou até chegar a vez de Guilherme jogar. Guilherme olhou tentando disfarçar o espanto, molhou a garganta com um belo gole de cerveja, deslizou o giz no taco e debruçou-se sobre a mesa como se ela fosse sua amante. Logo após ele deu a sua tacada enquanto o sol escaldante queimava lá fora. Nada caiu, os olhos de Guilherme ziguezaguearam atrás das bolas coloridas até o momento delas pararem de rolar. Nadinho tragou o seu cigarro no silêncio do bar, lançou a fumaça no ar, espantou a mosca que descansava sobre a borda do seu copo de cerveja e sorveu o último gole. – Trás outra! – gritou Nadinho ajeitando-se sobre a mesa. Valdomiro trouxe a cerveja e colocou-a sobre o balcão. Nadinho encaçapou novamente, depois, estrategicamente colou uma bola noutra. Guilherme escorou o queixo no taco, observou a mesa com um olhar fixo, compenetrado, e depois fez a sua jogada. O cara ao lado fez uma careta e misturou mais um pouco de Coca na sua cachaça, nada caiu, e assim foi praticamente durante todo o jogo. Era a nêga, e Guilherme havia perdido. Perdera a nêga e os únicos cinqüenta reais que tinha. “Cinqüentinha”, pensou Guilherme enquanto saía do bar escondendo os olhos do sol. Tragédia não era ter perdido cinqüenta “pila” na sinuca, mas sim, ter que encarar Joana em casa. Aquilo sim seria barra, Guilherme imaginava Joana cuspindo fogo pela boca, com os olhos ameaçadores querendo engoli-lo vivo. Guilherme deu meia volta, entrou numa ruela, chutou um vira-lata que quase o mordeu e, alguns minutos depois bateu palmas em frente a casa de Janaina. Ela apareceu, pôs a cabeça para fora da janela, seus cabelos negros e longos deslizaram pela parede. Guilherme iluminou-se com aquela visão, os cabelos de Janaina era o quê ele mais gostava nela. Certa vez Guilherme quase casou-se com Janaina por causa dos seus cabelos negros. – Posso entrar? – perguntou Guilherme fazendo-se de acanhado. Janaina moveu a cabeça afirmativamente e foi abrir a porta desbotada. Guilherme entrou, sentou no sofá, pegou uma almofada e colocou sobre o colo. Janaina acendeu um mata-rato, deu uma tragada e olhou para Guilherme. – Ué, o que aconteceu para você aparecer? – perguntou Janaina. – Preciso de cinqüenta pila – disse Guilherme sem enrolar. – Você nunca mais apareceu e quando resolve dar as caras é para pedir dinheiro? – Tá achando que eu sou banco ou alguma idiota? – Me quebra esse galho Janaina – pediu Guilherme com a voz mansa. – Vai pedir para a Joana! – disse Janaina com indiferença. Guilherme acendeu um cigarro e olhou para a porta. Janaina fumava tranqüilamente, os cabelos caíam sobre suas costas. – Não posso, é para dar a ela. Janaina soltou uma gargalhada. – Você acha que eu vou te dar dinheiro para você levar para aquela mulher? Você está louco! Não mandei você me trocar por aquela bruxa. – Por favor… perdi na sinuca o dinheiro que recebi, e Joana está esperando que eu apareça em casa com ele – disse Guilherme desolado. – Diz a ela. Não foi você que disse que o amor perdoa tudo? – Você sabe como é Joana, não posso aparecer e dizer que perdi o dinheiro na sinuca. – E para mim pode? E ainda quer que eu o consiga para dá-lo a outra mulher! – É apenas um empréstimo para mim sair dessa enrascada. Por favor, Janaina, você não vai fazer isso comigo… vai? – Vou. Guilherme levantou, acendeu um outro cigarro e com passos arrastados aproximou-se de Janaina, olhou-a e suavemente passou-lhe a mão nos seus cabelos. Tragou o cigarro, lançou a fumaça para cima enquanto continuava a acariciar os cabelos negros de Janaina. – Teus cabelos são tão lindos! – disse Guilherme com a voz terna. – Não adianta vir com esse papo. – Você sabe que digo a verdade, sempre fui apaixonado por teu cabelo. Um dia vou fugir com você… Janaina levantou-se da cadeira e foi ao quarto sem dizer uma palavra. Guilherme ficou esperando-a voltar enquanto terminava de fumar o cigarro. Olhou para a cortina da porta até que Janaina surgiu por detrás dela, caminhou em direção à Guilherme e estendeu-lhe a mão. – Tome – disse Janaina mostrando-lhe o dinheiro. Guilherme pegou os cinqüenta reais da mão de Janaina, olhou para a nota e colocou-a no bolso. – Obrigado, você salvou minha pele – agradeceu Guilherme acariciando novamente os cabelos de Janaina. – Agora vai! – disse Janaina. Aliviado, Guilherme vira-se e vai embora, enquanto Janaina fica pensando na frase dita por ele no passado: “O amor perdoa tudo”.

23.11.09

INVASÃO

"Eles virão?" - perguntou o cara ao lado.
"É claro que virão"
"Você já os viu?" - continuou a perguntar o cara.
"Não, mas parece que são grandes e feios, além de nojentos. Dizem que são verdes".
"Eles irão nos devorar" - disse o cara.
"Não, eles apenas bebem o nosso sangue".
"Dizem que eles lançam raios fulminantes e estão avançando rapidamente. Nada consegue detê-los"- disse o cara.
"Não esperávamos, não estávamos preparados para eles".
"Eles vieram mesmo de lá?"
"Parece que sim..."
"Foi o cara do rádio que alertou a cidade"
"É..."
"Quando eles aparecerem, o quê vamos fazer?" - perguntou o cara com uma expressão nervosa.
"Ora, vamos atirar entre seus olhos"
"E se eles não tiverem olhos?"
"Bom... acho que estaremos perdidos"

8.9.09

.

5.7.08

MAIS SILÊNCIO

- ei...
- fala!
- está muito quieto aqui!
- sempre foi assim...- hoje está muito silencioso...
- passa a garrafa.
- sabe... nós não vencemos...- é... você tem razão
- ei...
- fala!
- nunca isto aqui esteve tão quieto.
- sempre foi assim...
- você tem razão. passe a garrafa.
- nós não vencemos.
- muitos não vencem.
- porra! não deveria ser assim.
- sempre será!

A dança

Ele entrou silenciosamente, a cabeça gigante parecia pesar e por isso a mantinha inclinada para baixo. Ou porque simplesmete não desejasse ver em sua volta. O auditório estava lotado, havia mais pessoas que esperava. Eles gritavam, assoviavam, diziam palavrões. O velho sentou-se, bebeu um longo gole de sua bebida e leu um primeiro poema. Um cara na fila da frente disse-lhe um palavrão reclamando do poema, chamau-lhe de bêbado senil. Era oque eles queriam. E o velho lhes deu. Desfereiu-lhes palavrões, cuspiu neles, e a pláteia foi ao delírio. Leu mais poemas, bebeu, mandou a pláteia se calar. No final foi para seu quarto, deitou na cama, pegou sua bebida e deu um longo gole, depois acendeu um cigarro e tragou. Ficou observando a fumaça do cigarro se misturar as luzes da noite entravam pela veneziana.

Se tudo fosse tristeza


Ela queria saber porque Dostoiévski escrevia coisas tão tristes e melancólicas. Ora, eu não soube responder. Juliana sempre foi complicada, eu nunca consegui entendê-la muito bem. Nunca consegui entender mulher alguma. Ela entrou em meu quarto, olhou para as paredes e depois para mim, enquanto eu acendia um cigarro. Sentou-se em minha cama e perguntou-me:
- Porquê Dostoiévski escrevia coisas tão tristes? Olhei para ela e sorri enquanto pensava no que responder.
- Deve ser por causa do frio. Sempre imaginei Dostoiévski como um homem velho, de barba grande e grisalha, vivendo em um pequeno quarto com todo aquele frio. Bebendo vodca, solitário. Acho que ele só poderia escrever coisas tristes vivendo assim - respondi. Ela continuou olhando-me fixamente nos olhos.
- Você não possui poesia. Se fosse você, provavelmente escreveria sobre uma camponesa russa de peitos grandes.
- Talvez...- É! O mundo não precisa de escritores como você - disse Juliana.
Juliana estava certa, provavelmente eu escreveria sobre uma russa de peitos grandes. Se eu conhecesse alguma russa, mas não conhecia.
- Dostoiévski escrevia em um quarto frio e escuro, enchia a cara de vodca, depois colocava o seu casacão e saía pelas ruas na madrugada gelada. Perdia-se em jogos e depois voltava para o seu quarto solitário. Ele ouvia o vento assoviar em seus ouvidos e sonhava com uma bela mulher para aquecer-lhe naquelas noites geladas.
- Quem te contou isso? - perguntou Juliana com um olhar vago.
- Eu imagino que tenha sido assim.
- Você acredita que existem pessoas que nasceram para sofrer, para levar uma vida miserável e triste? Pessoas que sempre serão solitárias, por mais que desejem o contrário - perguntou Juliana.
- Acredito. Acho que sim.
- Às vezes eu quero morrer, tenho necessidade de morrer - disse Juliana.
- Besteira. Tudo ficará bem. Juliana olhou em redor do quarto, deu um belo sorriso.
- Este quarto é um chiqueiro! Está precisando de um toque feminino - afirmou Juliana sorrindo.
- É... Um toque feminino.
- Acho que somos muitos amigos - disse ela.
Juliana levantou-se, caminhou até a janela e lançou um olhar perdido para fora do apartamento. Eu tinha a impressão que Juliana era uma suicida, que um dia ela não agüentaria e acabaria terminando com a própria vida.
- Vou embora! - disse ela.
- Fica mais um pouco. Podemos conversar a noite toda se você quiser.
Juliana sorriu.
- Acho que você é um anjo. Um anjo que eu encontrei.
- disse ela com um olhar terno no rosto. O olhar mais terno que eu já tinha visto na minha vida. Vou ficar aqui esta noite. O quarto ficou iluminado apenas pela luz de um velho abajur vermelho. Entrou uma suave brisa pela janela. A noite foi passando, passando... lenta e calma, até adormecemos.

Lembrança do México

A luz alaranjada entrou como filetes de uma espada samurai através da veneziana. Cortou a penumbra do quarto e deixou aquelas marcas todas no corpo de Sara. Uma mexicana, pensei. Andei até a janela e observei os automóveis na estrada em frente ao motel. Sara virou-se e perguntou:- Pensando em algo?- No México. Em todos aqueles hoteiszinhos de beira de estrada. A poeira levantando sempre que passa um automóvel solitário. Em todos os ladrões, solitários, bandidos, pastores, dançarinas de boates, ambulantes que dormiram neles. Em todos os figitivos que encheram os lençóis de suor. Nas mulheres com chapéu caubói que ali, enlouqueceram algum homem.

14:hs Tarde

Algumas folhas de jornal grudaram-se umas nas outras como asas de borboletas encharcadas. Borboletas bêbadas que tentavam voar e zanzavam trôpegas até encontrarem um poste, e ali ficarem grudadas. Eu observava a cena através da janela de um pequeno apartamento que eu alugava num velho prédio no centro de Porto Alegre. Lá fora despencava uma tormenta infernal. O céu desabava, a água da chuva inundava a cidade formando corredeiras junto às calçadas. As folhas de jornal escaparam das mãos de uma mulher gorda que se movia com a dificuldade de um elefante lodoso. Ela ensaiou uma corrida desengonçada, cuidando para não esborrachar-se no chão. Escorregou um pé, a perna direita, curta e grossa abriu-se como um raio. Os braços moveram-se rapidamente lembrando os de uma marionete, com a ajuda deles a mulher gorda recuperou o equilíbrio e então parou sob a chuva tentando refazer-se do susto enquanto o jornal se desmanchava. O guarda-chuva transparente mal protegia o corpo imenso da mulher.

Príncipe Tsaphkiel

Jussara esperou Carlos entrar no banheiro. Esperou ele ligar o chuveiro e assim que ouviu o som da água avançou em sua carteira. Carlos andava estranho, e ela desconfiada. Revirou alguns papéis e então encontrou um muito dobrado. Quase como um origami. Abriu e leu:
Invocação ao Príncipe Tsaphkiel
Tsaphkiel, Príncipe dos Tronos e chefes dos espíritos soberanos,
Que estais a serviço das forças do mundo,
Divina força cósmica que Tsaphkiel e seus Tronos constituem,
A estrutura da verdade, graça e benefício.Permiti Senhor, que me ajude a aprimorar cada vez mais minha existência;
Permiti que eu tenha paciência na compreensão das Leis Kármicas,
E iluminai-me com sua Sabedoria. Ajudai-me a ser fiel à minha verdade,
que meu presente seja agradável, fácil e proprício,
Para todas as realizações espirítuais e materiais.
Não permitais que eu cometa excessos,Fazei-me Senhor que cuida do mundo,
Peça do equilíbrio e limpeza das forças espirituais.
Guardai-me para que eu possa construirum Universo harmonioso
Para que toda existência seja Luz.Amém.
Jussara devolveu o papel com cuidado, e esperou Carlos com um largo sorriso.

O Monstro Chinês

Cansado o chinês mostrou onde morava para sua nova garota. Um gigantesco bloco de destruição e decadência. Parecia haver milhares de apartamentos ali, grudados um no outro. Um agrupamento de caixas de papelão úmida e claustrofóbica. Ela sorriu timidamente.
- Parece um monstro! - comentou ela, diante daquilo tudo. O breve sorriso surgiu entre seus lábios finos e vermelhos.
- Um monstro, é isto. Nunca pensei assim, mas ele realmente parece um velho monstro cansado. Um monstro feio, cansado, que nos mantêm em seu estômago.
A chinesa voltou a sorrir e os dois entraram calados.

O GIGANTE LÁ DE CASA

Papai sempre foi pra mim um gigante. Eu lembro que olhava pra ele lá de baixo e via suas pernas longas. Muito compridas. Pareciam que iam para o céu. E lá ficava sua cabeça, quase encostando no teto. Acho que se ele esticasse o braço, só um pouquinho, encostava na lua.Eu achava engraçado, aquela cabeça lá em cima. A cabeça do papai. Ele dizia que um dia eu também seria um gigante. Um gigante, não! Uma giganta! Uma mulher com pernas tão compridas quanto as dele. Um dia eu cheguei a sonhar com isso. Que eu era uma mulher gigante, com pernas tão compridas que não caberiam na minha cama. No sonho eu saí para a rua, no meio da noite. Era uma noite cheia de estrelas. Eu gostava de ver as estrelas. Meu pai disse que algumas não existiam mais. Ha,ha,ha! Só meu pai mesmo. Acho que às vezes ele mente, ou quer me enganar. Como podem não existirem se ainda estão lá, brilhando daquele jeito? Bom, daí eu saí para a rua no meio da noite e vi tudo lá de cima. Foi legal! Era diferente e gostoso ser gigante. Então eu lembrei, mesmo sonhando, que poderia tocar na lua. E não deu outra, eu estiquei meu braço que era tão comprido como uma mangueira e toquei na lua. Me lembro que ela era gelada igual a um picolé. Pensei até em pegar um pedacinho dela para mostrar pro papai. Acho que ele ficaria feliz, mas bem na hora acabei acordando e do meu lado estava o gigante me olhando.

E se surgisse um pardal na calçada?

Sérgio pensava em como seria sua vida se fosse Elvis Presley. Se tivesse todas aquelas mulheres ao seu alcance, todas que suspiravam por um simples toque seu. Se tivesse todo aquele dinheiro e seu rosto estivesse sempre estampado nas capas de revistas, se tivesse uma mansão e carros esportivos na garagem. Se tivesse o rosto bonito e que quando dançasse levasse as mulheres ao orgasmo. Sérgio pensava se viveria tomando pírulas para dormir ou se saberia levar as coisas, sem a falta de grana e tendo tudo que desejasse. Sérgio pensava em como seria se fosse chamado de rei. Se ele fosse o REI.Depois sem sabe o por quê lembrou de uma música do Nirvana, e então imaginou como seria se fosse Kurt Cobain. Se de repente começasse a ganhar muito dinheiro, a ter seu rosto estampado em tudo que é lugar, se seu modo de vestir fosse imitado e se todos afirmasse que sua música fosse um novo sopro de vida enquanto ele seguidamente pensasse apenas em morrer. Se milhões de pessoas assistissem seus shows e televisões do mundo inteiro transmitisse a apresentação de sua banda e ele cuspisse na câmera e esfregasse seu pau na cara de todos. Se na verdade ele desejasse não estar ali, que na verdade ele não entendia o que queriam dele, que na verdade ele odiasse e não via sentido naquilo tudo. Sérgio pensava se mandaria sua mulher louca sumir para sempre, se ELE acabaria metendo uma bala na cabeça ou simplesmente fugiria para um paraíso e viveria numa mansão cercado por belas mulheres que lhe dariam banho e lhe colocariam para dormir ao som de suaves cantinas de ninar.Sérgio pensava se de repente enquanto ele andava pela calçada um pardal surgisse em sua frente e se seus olharem se chocassem por alguns segundos. E se então o pardal abrisse o bico e de lá saísse um clarão e como num passe de mágica fosse tudo se tornasse mais fácil.

Velhos caubóis não choram

- Acho que acabou a gasolina!O velho carro parou no meio da noite. No céu as estrelas brilhavam como peidinhos no ar.- Você disse que tinha combustível! Você disse que o combustível daria para ir até o fim! - cobrou Toni.- Eu sei, eu sei...- Agora estamos presos nesse deserto. Estamos perdidos no meio desta estrada.- Eu pensei que daria. Eu pensei que daria para ir até o final - desculpou-se o motorista com a voz embargada.- Estamos fodidos! Estamos fodidos!- Não me culpe! - pediu Jonas.- Isto aqui deve estar cheio de serpentes... Serpentes e lagartos.- Pelo menos não está tão escuro assim... A lua está cheia e o céu está repleto de estrelas.- Foda-se a lua, foda-se suas estrelas!- Pensei que o combustível daria para irmos até o final desta estrada.- Pensou? Pensou? Olha só o tamanho deste deserto! Leva séculos para alguém passar por aqui. Como vamos fazer para darmos o fora daqui?Jonas olhou em sua volta. Viu apenas pedras, sombras e alguns arbustos. Lançou o olhar ao longo da estrada comprida como uma longa serpente infinita que se perdia no horizonte. A estrada desaparecia no meio da escuridão. Jonas olhou para o velho carro morto no acostamento da estrada. Era uma ossada, uma carcaça, um ser pré-histórico vencido pelo tempo. Não havia mais força, apenas pedras, arbustos, serpentes e lagartos como companhia.- Ei cara, você não está chorando, está? - exbravejou Toni.- Desculpe!...- Você é um homem... VOCÊ É UM HOMEM!- Desculpe! - murmurou Jonas.- Porra, e agora? Pare de chorar!...Jonas continuou chorando baixinho enquanto seu companheiro foi mijar ao lado da estrada. Jonas soluçou e passou a mão no rosto para enxugar as lágrimas que escorriam e deixavam rastros como lesmas.- Você atrairá as cobras mijando aí - disse jonas com a voz entrecortada.- O quê você está falando?- Você nunca ouviu falar? O som de mijo atrai cobras - afirmou Jonas. Seus olhos ainda vermelhos e úmidos brilhavam.- De onde você tira essas idiotices?Jonas baixou a cabeça e perdeu o olhar no chão seco coberto por pedregulhos. A noite estendia-se linda sobre os três. O carro era um ser comprido, de longa cauda que lembrava a de um enorme peixe. Um monstro aquático constituído de ferro, perdido num deserto coberto de estrelas, rodeado por serpentes, lagartos e arbustos resistentes como as pedras. Tudo parecia resistente, forte, moldados para resistir as maiores adversidades. Menos Jonas.
- Não diga que chorei - pediu Jonas.
- Tudo bem... Não direi.
- Aquele velho caubói que conhecemos disse que homens não choram - explicou-se Jonas. Ele contou-me que um homem deve ser valentão e que apenas mariquinhas choravam. O campanheiro de Jonas encostou-se no velho carro e praquejou novamente, depois puxou do seu interior um grande e viscoso catarro e lançou-o com força. Depois acendeu um cigarro, tragou e expeliu a fumaça.
- Merda! - Nós somos durões, não somos? - perguntou Jonas.
- Claro. É claro que somos - confirmou Toni.
- É isso aí! - concordou Jonas num tom entusiasmado. Somos como o velho caubói. DURÕES! - Chorar é para as mariquinhas. Apenas as mulheres e as mariquinhas choram. Nós somos DURÕES - completou Jonas, com os olhos cheios de lágrimas.
No céu as estrelas ainda brilhavam como peidinhos no ar.

O Velho Trem Fantasma

De vez em quando vou para os fundos do pátio e fico sentado observando aquelas coisinhas piscando lá em cima e esperando o som. Sempre no mesmo horário, sempre no meio da noite. Acendo um cigarro e olho em volta, o lugar é cercado por muitas árvores e campos e tudo fica longe de tudo e nas noites de verão os insetos zunem como loucos.Lembro da bruxa velha que mora no fim da rua – e caralho, as ruas aqui são longas como um rabo de dragão -, entranhada numa casa centenária de tábuas desbotadas e cheias de musgos que expiram umidade pelos poros. Foi quando ela me falou, enrugada como uma uva seca sobre os insetos. De presente me deu um pote de cataria, uma espécie de inseto que triturado é tido como afrodisíaco e todas as mulheres que enlouqueceram quando misturei o pó em suas bebidas e as noites foram longas.Então meus pensamentos são cortados pelo som do velho trem que eu tanto aguardava. Parece um trem fantasma, gosto de ouvi-lo rasgando a noite e rugindo. Sempre aquele som, aquele trem de carga que vai não sei para onde. Continuo ouvindo o trem fantasma que passa como se tocasse uma melodia perdida no tempo. Um trem fantasma que rasga a noite, imperturbável como um monstro cansado. Eu aguço os ouvidos apenas para ouvi-lo rugir.

Nunca seríamos como aquele cara que dançava sobre o palco de tábuas

O cara subia naquele palco de tábuas e quebrava o quadril, as pernas indo e vindo alucinadamente. A voz fazendo as meninas sonharem, porra! As garotas cantavam, gritavam, urravam. Ninguém dançava daquela maneira, depois todos garotos também tentavam fazer o mesmo. A poeira levantava no meio da histeria. todos tentando a mesma coisa. Ele com aquela cara de bebê e elas adoravam. Todas desejavam trepar com ele. Tudo ali, naquela cidadezinha de merda. Então ele sorria e algumas tinham orgasmos, e nós olhando, putos da cara. As garotas que queríamos baixar as calcinhas, as garotas que ilustravam nossas punhetas, estavam todas lá. E todas queria um só pau. Porra, o cara era o rei. A voz ecoava, lambuzava, trovejava. As conções fazíam as meninas sonharem. Depois ele foi embora e começou a aparecer nas capas de revistas e na televisão. Os caras ainda invejavam, as garotas ainda sonhavam em ir para cama com ele. Nós sabíamos, éramos de outro time. Nos tornaríamos escritores, açougueiros, vendedores, advogados. Nunca aquele cara e a merda é que sabíamos.

Um Monte de Nada

Ligou o carro sob aquele sol infernal e deu a partida no velho Fusca 78. "Atravessar desertos é uma merda. Um monte de nada", pensou. Colocou uma fita-cassete e com o volume ao máximo ouviu Born To Be Wild. Jack o quebrou ao montar aquela motocicleta e sair por ai com o vento batendo-lhe no rosto. Stepen Wolf o fez pensar que poderia ser um franco atirador.Kerouac embriagado, atravessando a América, dormindo com mariposas e anotando seus sonhos enquanto em algum quarto pequeno, triste e decadente, um velho escreve contos sujos para a Xota. Garrafas de cerveja vazias se amontoam num canto e tudo se embriaga de solidão, tédio e desespero.O Fusca dá o máximo de si. O pedal do acelerador beija o assoalho empoeirado do carro. Porto Alegre agora é uma miragem que desapareceu no horizonte como um fantasma capenga.Quando criança, antes mesmo de assistir Jack e seu parceiro com suas motocicletas em estradas sem fim, antes de ouvir Born To Be Wild, Carlos ouvia estórias sobre os desertos gaúchos. Depois de ouvir tudo aquilo, sobre os homens que morriam de sede, que se perdiam e eram picados por serpentes sob um sol escaldante, Carlos ia para a janela de sua casa com mil imagens e pensamentos em sua cabeça. Lá fora vaga-lumes, grilos, besouros e outros insetos pareciam enlouquecidos na escuridão. Carlos observa os insetos, as folhagens, a grama verde, os campos e as árvores que cercam tudo. Tudo inacreditavelmente verde, úmidos do orvalho da noite e gotejando vida por todos os lados. Carlos não podia acreditar nos desertos gaúchos, mas nunca conseguiu esquecê-los.O motor do Fusca roncando grotescamente sob o chão árido do deserto. O sol queimando a lataria do carro, a retina dos olhos de Carlos, os pedregulhos, a rala vegetação. Pequenas pedras saltavam para os lados como se tivesse vida enquanto Carlos zunia com seu automóvel. Horas se passaram e Carlos continuava sem parar. "Um monte de nada", voltou a pensar olhando para a paisagem crua.Sem saber o motivo Carlos sentiu vontade de dar um cavalo de pau no meio daquele deserto. "Ninguém atravessa um deserto sem dar um cavalo de pau", pensou Carlos com a garganta seca. Carlos acelerou o que pode, o velho Fusca rosnou como um valente monstro cansado, o toca-ficas esgarçando Born To Be Wild e tudo sacolejando e poeira e pedregulhos voando e ele com a mão grudada no freio de mão. Então o caralho do Fusca valente girou, girou, girou e tudo rodava rápido demais aos olhos de Carlos e uma nuvem de poeira engoliu tudo. Com um forte solavanco tudo parou de girar, menos a cabeça de Carlos e a poeira invadiu seus olhos e garganta e ouvidos e então ele deu uma grande gargalhada e olhou para a noite que despencava no horizonte daquele fodido deserto gaúcho.

A mulher do Calendário

Em uma das mesas dois homens bebiam Coca-Cola com cachaça. No balcão outros homens bebiam suas cervejas e fumavam e olhavam para as paredes, para o vazio ou para sei lá o quê eles estavam vendo com aqueles olhares perdidos. A noite estava clara como nunca e milhares de estrelas piscavam e alguns caminhões passavam zunindo e seus faróis pareciam estrelas nas estradas como as que piscava no céu.Martin entrou e olhou para a folha de calendário pregada na parede com a foto estampada de uma bela mulher seminua, seios fartos à mostra e olhos num azul claro que prometia o paraíso. Então ele sentou ao lado de um dos homens no balcão e não deu importância para ele. Martin estava se lixando para o cara.Seu Chevy estacionado lá fora parecia um carro fantasma abandonado. Martin pediu uma cerveja e um maço de cigarros. Aguardou com um vago olhar para a foto no calendário. O homem ao lado olhou para ele e para o calendário que estampava a foto da mulher de olhos azuis.Deu um sorriso e disse: “Com uma dessas eu foderia a noite inteira”, Martin não ligou. E o cara fechou-se numa carranca. Martin bebeu um gole de sua cerveja e lembrou da garota e dos seus peitos e de seus olhos e de tudo mais. Dela sorrindo enquanto preparava o jantar, sem antes perguntar se ele desejava batatas-fritas e ele sempre respondia que sim e ela acabava sorrindo novamente. Martin lembrou de como ela dormia e das noites que passavam em claro e dos quartos escondidos e das luzes pardas e das pessoas circulando lá fora sem saberem de nada.Martin acendeu um cigarro e tragou e bebeu um novo gole de cerveja. Achou que a cerveja estava muito boa e teve uma agradável sensação com aquilo. Tornou a olhar para o calendário e para a foto da mulher seminua e lembrou dos dois juntos e num suspiro surdo conformou-se em vê-la partindo em um daqueles caminhões que tinha faróis que pareciam estrelas na estrada.

Eu Tinha Que Realmente Estar Lá?

Ela estava usando uma saia de seda roxa. Muito bonita e, caralho... Eu tinha que realmente estar lá, justamente naquele momento? Ela simplesmente abaixava-se e pegava algum livro. Tinha uma porção deles por lá, queimados e espalhados por toda parte. E ela vasculhava entre os destroços tentando recuperar algum. A velha casa tornou-se uma Bagdá em escombros, Estanlingrado, Berlim. Nada além de cinzas, destroços e desespero.Ela tentava salvar alguma coisa e com as mãos sujas mantinha o semblante sério e compenetrado. Ouvi um profundo gemido vindo do fundo de sua caixa torácica e senti todo aquele tremor e tristeza percorrer seu corpo. Disseram que o incêndio foi rápido como uma lufada de vento e num fechar e abrir de olhos a casa tinha se transformado em uma gigantesca bola flamejante, e tudo foi sendo engolido por ela.Ao vê-la me aproximei como se seu corpo fosse um ímã que atraía meu corpo de ferro, e sendo assim, nada eu poderia fazer senão me deixar levar. Percebi suas mãos queimadas que seguravam um livro ou o quê sobrou dele. Do outro lado da rua dois homens com roupas e capacetes vermelhos conversavam ao lado de um caminhão também vermelho. Um grupo de meninos olhavam excitados e donas de casa tagarelavam sem parar dizendo algo sobre um botijão de gás que era uma verdadeira bomba e o estrondo que deu.Ninguém ali parecia muito interessado naquela garota que vestia uma saia de seda roxa e catava os restos entre os escombros. Nem em suas mãos queimadas, nem em seu corpo de ímã que atraía o meu corpo de ferro.

28.6.08

Nunca Entendi

Minnesota,
Montana,
Virgínia,
Lexington,
Kentucky,
Keeneland,
Oakdale,
Utah,
Green Bay,
Salt Lake,
Arizona,
Minneapolis...
Nunca entendi porque aquele guri ficava anotando aquele monte de nomes de cidades e Estados americanos. Anotava e ficava observando no mapa, depois perdia o olhar em seu bloco com aqueles nomes todos anotados. Sempre com um olhar impenetrável, brilhante e distante, como se ele não estivesse ali. Como se estivesse em outro lugar, em terras desconhecidas, em terra que se anda muito para chegar.
Nunca entendi.

27.6.08

Destroços e Pernas

- Você está um caco!Joe acendeu um cigarro, o terceiro ou quarto.- O rosto cheio de marcas.Joe tragou o cigarro.- Seus cabelos estão brancos.Joe tragou novamente, e logo após bebeu um gole de cerveja. Joe estava acabado. As mulheres avacalhavam com Joe.Joe sabia, elas sentiam prazer em acabar com ele. Por algum tempo ele pensou na sua péssima aparência enquanto olhava aquelas pernas.

Eu dançaria se soubesse, Lili

Eu não sabia dançar. Não sei. Por mais que Lili tentasse me ensinar. Ficamos assim por algumas semanas. Ela colocava música e me enrolava em seus braços. Boleros.
- Os Machões não dançam - eu disse, referindo-me ao livro do escritor Norman Mailer.
- Hahaha... Você é um idiota.
- Sim..., na maioria das vezes - eu respondi.
- Assim não dá, desisto! - ela disse.
- Eu falei que não consigo aprender. Como escreveu o Norman: Os Machões não dançam.
- Ah, pare com isso! Esse Norman não sabe de nada.
- Acho ele um bom escritor.
- Não sei, não quero saber...
- Está bem Lili. Vamos parar, eu desisto.
- Mas não entendo, fica ouvindo esses boleros e não sabe dançar.
- Não importa, os boleros são pelo meu coração partido.
- Ha,ha,ha... Você? Comigo esse papo não rola, neném.
- Lili, faça um café pra mim, por favor. As mulheres despedaçam meu coração.
- Acredito..., não sei como trato você tão bem. Lili andou em direção ao fogão. A bunda grande requebrando sob o tecido do leve vestido floreado. Era linda. Era um senhor corpo. Um pardal pousou na janela. Um canário amarelo como um girassol. Acendi um cigarro e esperei o café.

25.6.08

Você é um cara incrível, Joe!

- Os brutos também amam..., Joe!
- Você é um cara incrível Joe... hehehe... Incrível, incrível, incrível!
- Cala a boca Júlio. Cala a boca e leve tudo que puder, antes que alguém nos veja roubando a merda deste bar!
- Joe, se você visse os olhos daquela garota... Eram azuis, azuis... Era a coisa mais linda que já vi.
- Cala a boca, Júlio! Vamos dar o fora daqui!
- Está certo. Peguei algumas bebidas também, Joe. Vamos...
- Ei, pegue algumas flores para sua garota!
- Você é um cara incrível, Joe! Incrível, incrível, incrível...!!

O primeiro dia de primavera

Ernie serviu-se de mais um pouco de café. Estava calmo e sereno como um cão vira-latas tomando banho de sol numa manhã preguiçosa. Pela primeira vez em anos ele comia novamente ovos mexidos no café da manhã. Ernie passou margarina no pão, depois deu uma dentada e bebeu um bom gole de café. No rádio o locutor anunciava um belo dia de céu limpo, sol e temperatura agradáveis. Ele sabia que era o primeiro dia de primavera. Era uma segunda-feira. Ernie olhou a passagem para o México e sorriu satisfeito. Ele tinha feito um bom serviço, mesmo sendo aquela sua primeira vez. O locutor continuou dando as notícias do dia e então Ernie se levantou e tirou da estação de rádio para colocar uma fita-cassete.Ele gostava de ouvir Bach e naquela manhã ele achou-o especialmente fabuloso. Após terminar o café, Ernie fumou um cigarro, olhou através da janela e observou o dia iluminado lá fora. Uma grande e agradável sensação e bem-estar percorreu seu corpo. Ernie pegou a passagem sobre a mesa e entrou no quarto. Ele colocou algumas coisas numa velha mala, e antes de partir, deu uma última olhada na sua mulher morta sobre a cama.

Seu Velho!

- Pare de fazer merda seu velho do caralho!
- gritou ela.- Aaah, garota. Eu não consigo. Sempre acabo fazendo merda.
- Você não pode evitar, seu idiota?
- Eu tento..., mas sempre acaba acontecendo. De uma forma ou de outra.
- Você é um imbecil! Como pude me casar com um imbecil?
- Realmente eu não sei, garota. Acho que é porque você também não parece ser muito esperta. Agora, por favor... Deixe eu ler meu livro em paz. São quase uma hora da madrugada.

Os Homens sob o sol

Quase que diariamente eu passo por lá, faz parte do meu trajeto enquanto estou indo para o meu trabalho. Enquanto estou indo fazer minha parte para no final do mês receber minha migalha. Estou no ônibus e num certo momento, num certo lugar o ônibus passa por eles. Por uns homens, cinco, seis... Não sei ao certo em quantos são, sei que não são sempre os mesmo. Eles estão apenas lá, com suas roupas puídas, gastas, velhas. Estão fumando e rindo, barbas por fazer, cabelos desgrenhados. Parecem não terem muita sorte. Estão lá com suas sacolas de supermercado onde trazem suas coisas. Parece que estão esperando por algum "bico", talvez carregar algum caminhão para conseguir uns trocados. São feios, homens duros e quebrados. Vejo passar de mão em mão uma garrafa plástica com bebida. E eles bebem a bebida, fumam e riem. Gesticulam enquanto esperam e conversam. Conversam e riem. O mais assombroso é a tranqüilidade que parecem ter mesmo com tanta dureza. Não possuem belas mulheres, não possuem dinheiro, casa própria. Nada. Estão apenas lá, esperando alguma coisa sob o sol.

O sorriso de Ernest

Era uma cidadezinha muito triste, perdida no meio do nada, rodeada por pedras e arbustos. Tinha apenas um bar e os homens se reuniam, especialmente nas noites de sexta-feira.O velho Ernest gostava de ir beber e fumar seu charuto sem dar muito papo para ninguém. Certa noite Ernest não apareceu. Todos estranharam sua ausência. Mesmo não sendo muito de conversa, Ernest fazia parte daquilo. Do bar, das noites de sexta-feira e da solidão do lugar.A noite ia quente e pegajosa, arrastando-se madrugada a dentro e o assunto não era outro senão a ausência de Ernest.Então, no meio da madrugada Ernest entrou porta a dentro. Todos pararam de beber, fingiram não ligarem ao vê-lo entrar, mas o silêncio reinou no lugar. Ernest trazia consigo uma mulatinha. Uma pequena e jovem e macia mulatinha. Aparentava não mais que quinze, talvez dezesseis anos de idade.Ernest entrou silencioso e procurou seu canto no bar. A mulatinha seguia ao seu lado. Ernest segurava sua pequena mão. Ela desfilou tímida até a mesa, o corpo desenhado e fresco. Usava uma velha calça de jeans que marcava sua bela bunda. Os homens olhavam enquanto os dois sentaram. Ernest ignorou à todos e sorriu para a mulatinha depois de sentarem.- Quer uma cerveja, boneca? - perguntou Ernest com uma leveza que deixou todos espantados. Ernest era um homem rude de aparência, mãos grossas e calejadas, de pouquíssimo sorriso.A mulatinha sorriu tímida. Um sorriso de anjo e ao mesmo tempo sensual. Era muito bonita, os dentes muito brancos e lindos.- Sim. Vou querer.Ernest chamou o velho garçom.- Traga uma cerveja para nós. Bem gelada, que queremos matar a sede.- Mais alguma coisa? - perguntou o garçom sem conseguir disfarçar os olhares gulosos para a mulatinha.- Traga também algumas batatas fritas. Minha garotinha de deve estar com fome.O garçom olhou para ela. A mulatinha acendia um cigarro.- Você não deve fumar, neném - disse Ernest.- Ora, Ernest. Você me conheceu fumando e fumando continuarei.Ernest sorriu.- Está bem, querida.O garçom trouxe a cerveja e as batatas fritas. Os dois beberam e comeram com vontade. A mulatinha atraía a todos. Era muito sensual. Tinha volúpia nos olhos. O decote mostrava a pele linda e morena, brilhava. Tinha os seios médios e os bicos marcavam a blusa verde colada ao corpo.Ficaram todos imaginando e se perguntando de onde Ernest havia conseguido aquela garota. Invejavam, mas falavam uns aos outros que Ernest estava ficando louco. Uma aparecer com uma garota com não mais que dezesseis anos de idade. E vestida daquela maneira, com aquelas roupas que mais parecia de uma prostituta de estrada. Aquelas roupas coladas ao corpo. Mostrando os peitos, fumando e bebendo ali no bar dos homens.Ernest não estava respeitando a memória de sua falecida mulher. Fazia mais de dez anos que ela morrera e desde então Ernest vivera solitário. Trabalhando como um burro de carga, um desgraçado. Sorrindo muito pouco e voltando para casa sozinho depois de beber no bar todas sextas-feiras.Ernest percebeu os olhares, os cochichos, tudo. Percebeu os olhares de reprovação, e também os de desejo sobre sua mulatinha. Ernest pegou mais algumas cervejas, comprou cigarros e mais comida. Pagou tudo e foi-se embora com sua mulatinha Ao saírem do bar de mãos dadas, Ernest olhou as estrelas naquela noite quente. Ele mal continha o sorriso no rosto.