7.12.09

Mais de Menos

Enquanto olhavam a água turva, Joseias pensava num frango assado. Estavam mergulhados naquela merda. Isalda segurava as lágrimas com os olhos fixos num pequeno redemoinho que se fazia no riacho.
- Tenho vontade de aterrar este riacho – disse, Isalda.
- Porquê? – perguntou Joseias surpreso, o frango assado ainda estava na sua cabeça.
- Acho tão triste. Tão triste isto tudo. Nós, o riacho, a fome. Tentamos de tudo para sair desta situação. Os peixes que morreram aqui, morreram assim como nós vamos morrer. Sufocados, sem nenhuma chance. Queria jogar toneladas de terra neste riacho. Acabar com tudo.
Joseias pregou os olhos em Isalda.
- É só uma questão de sorte. De tê-la ou não – Argumentou Joseias. Isalda ficou quieta. Voltou-se para o riacho e suspirou profundamente.
- Sempre vivemos atolados na merda. Agora só resta este riacho com peixes mortos. Pensei que podíamos ter uma vida melhor. Tudo acontece contra.
Joseias voltou o olhar para o riacho. O redemoinho aos poucos se desfez.
- Eu queria comer um bom frango assado. Eu só queria isso. Um grande e suculento frango assado. Nada mais – disse Joseias.
- Quanto mais lutamos, menos temos. Estou cansada. Eu queria aterrar este riacho. Esquecê-lo. Esquecer os peixes que morreram aqui. Esquecer que tivemos esperança.
- Lembra quando eu saí semana passada? – perguntou Joseias.
- Lembro.
- Eu vi um galinheiro. Não fica muito longe daqui. Desde então lembrei o que tinha esquecido. Lembrei do sabor de um frango assado e isto não sai da minha cabeça. Um frango assado.
- Joseias…
- É isso. Esta noite vou lá. Vou lá e vou pegar um frango gordo. O maior, o mais bonito. Vou pegar um frango e nós esqueceremos este riacho. Vamos ter um jantar de rei. Eu mesmo vou assá-lo. Teremos um suculento frango assado.
Isalda levantou-se lentamente. Não tinha forças nem mesmo para o desespero. Estava entregue, os olhos marejados. Joseias pensava no frango, no galinheiro, no jantar de rei.
- A única coisa que tenho vontade é de aterrar este riacho. Não quero mais ele. Não quero mais ver esta água e lembrar dos peixes que morreram aqui, junto com nossos sonhos. Não quero mais este lugar. Sempre tivemos mais de menos. Você entende? Mais de menos. Estamos mergulhados na merda. Uma vida de merda.
No horizonte filetes alaranjados se desenhavam. As árvores lançavam monstruosas sombras sobre Isalda e joseias. A água turva não refletia mais a imagem dos dois.
- Vamos embora daqui – disse Joseias. – Essa será nossa última noite neste lugar.
Joseias esperou a noite, pegou uma faca e pediu para a mulher ferver uma panela com água para esperá-lo. Joseias tinha o frango em sua cabeça. Imaginava-se saboreando o animal, a cor dourada da pele assada, a carne branca se desmanchando em sua boca. Joseias colocou a faca na cintura e saiu.
Meia hora depois ele chegou ao galinheiro. Entrou sorrateiro e logo pegou um frango pelo pescoço. Num gesto rápido e certeiro passou-lhe a faca no pescoço. A pressa foi tanta e o golpe tão forte que a cabeça do animal foi decepada. Joseias deixou-a no chão e carregando o frango embaixo do braço saiu correndo até sumir entre as árvores mergulhadas na noite.
Isalda fervia a água quando Joseias bateu na porta. Entrou esbaforido, o coração a ponto de explodir. Ao ver Isalda sorriu triunfante e mostrou-lhe o frango com a cabeça decepada, sua mão estava tingida de sangue. Isalda não se importou e logo tratou de depenar o bicho escaldando-o com a água que fervia. Alguns minutos depois Joseias assava o frango sem esconder o sorriso no rosto.
O frango ainda estava na sua cabeça.

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