7.12.09

Foi no fim da primavera

Logo após o fim da primavera o sol despontou como um foguete furioso. Marcos passava os dias zanzando como uma mosca pelo bairro. Não havia muito que se fazer sem emprego e com todo aquele calorão desgraçado. O mormaço nos absorvia, grudava como visgo e uma deixava uma moleza nos corpos dos cães e dos homens. Todos com a língua de fora.
- Porra! Não agüento mais este calor.
Nada se movia, árvores, folhas. Apenas o mormaço nauseante e a poeira vermelha que levantava quando passava um automóvel na antiga estrada de chão batido.
Neste tempo de calor quase insuportável, Carlos tornou-se amigo de Juan. Juan é um cubano que surgiu do nada no bairro. Ninguém sabia ao certo sua verdadeira história. Nem mesmo Carlos, com quem ele iniciou uma grande amizade. Carlos sabia que ele amava a ilha e detestava os políticos que governavam o país. Também sabia que numa pequena balsa ele e mais quatro homens enfrentaram tubarões e chegaram a Miami. Isto ele contou a Carlos. “preferi enfrentar os tubarões que continuar naquilo que está instalado lá.” dizia Juan sem esconder a tristeza em seus olhos. Ele falava sobre quando andava pelo Malecon e observava o mar do Caribe estendendo-se no horizonte. “Lindo. O entardecer diante de mim com aquele mar, as cores que se formavam no céu. As mulheres com suas bundas fantásticas, zingando como se flutuassem sobre as sandálias desbeiçadas. Se insinuavam fazendo esquecer toda miséria e fome. Lindas”.
Carlos voltou do bar. Não estava lá Juan. Bebeu uma cerveja e voltou arrastando-se por causa do calor. Peito nu vestia apenas uma bermuda e chinelos. Entrou em casa e secou uma garrafa de água. Bebeu no gargalo e sentou em frente à porta de sua casa. Fumava um cigarro quando sua mãe o chamou com um berro estridente como se uma tragédia tivesse acontecido. Carlos tragou o cigarro e sua mãe surgiu.
- Aquele lagarto apareceu novamente para comer os ovos das galinhas.
Carlos soltou à fumaça.
- Onde ele está?
- Acho que ainda está lá atrás da casa no ninho das galinhas.
- Juan deixou a espingarda?
- Sim, sim! Disse que você ficasse com ela. Por causa dos roubos que andam acontecendo por aqui.
- Vou dar um tiro naquele lagarto.
Carlos deu a última tragada no cigarro e levantou-se. Entrou na casa e foi ao quarto, sobre o velho roupeiro encontrou a arma. Meteu as balas e saiu rápido.
- Vá antes que ele saia de lá – disse sua mãe.
Carlos contornou a casa o mais rápido que pode, tentando não fazer barulho. Espiou e viu o bicho lá. Teve nojo, engatilhou a espingarda e mirou. O lagarto estava estático, lambendo-se com aquela língua horrível. Carlos viu os ovos quebrados, o lagarto sobre o ninho esbanjando-se. A língua novendo-se para fora da boca, a barriga pesada, estufada com os ovos. O suor escoria no corpo de Carlos, suas axilas grudavam e sua mãe espiava a ação.
Carlos continuou mirando. Estava a alguns metros do lagarto que percebeu sua presença, Carlos segurou a respiração para não se mexer. Tinha que ser rápido antes que o bicho desse o fora. O lagarto virou a cabeça para o lado, Carlos tentou acompanhar com o cano da espingarda. Mirou no olho do lagarto, apertou o gatilho e disparou. O lagarto saltou com o impacto, ficou caído estrebuchando no chão.
- Acertou? – gritou a mãe de Carlos. Curvado e segurando a espingarda Carlos correu até o animal. Encontrou-o tremendo a cauda, o olho esquerdo esfacelado. O sangue espalhando-se sobre a cabeça do lagarto. A mãe de Carlos aproximou-se com cuidado e curiosidade. Ele está morto? – perguntou ela.
Ainda não – respondeu Carlos, engatilhando novamente a espingarda e dando um disparo no ventre do animal respondeu.
- Agora está.

Nenhum comentário: