7.12.09

O Amor Perdoa Tudo

A jogada foi boa. Nadinho deu a primeira tacada com força e as bolas espalharam-se pela mesa. Caiu uma, duas, e uma terceira insinuou-se na caçapa, lambeu a borda e caiu suave. O silêncio tomou conta do bar, cortado apenas pelo rolar da bola 5 caçapa adentro. Nadinho continuou até chegar a vez de Guilherme jogar. Guilherme olhou tentando disfarçar o espanto, molhou a garganta com um belo gole de cerveja, deslizou o giz no taco e debruçou-se sobre a mesa como se ela fosse sua amante. Logo após ele deu a sua tacada enquanto o sol escaldante queimava lá fora. Nada caiu, os olhos de Guilherme ziguezaguearam atrás das bolas coloridas até o momento delas pararem de rolar. Nadinho tragou o seu cigarro no silêncio do bar, lançou a fumaça no ar, espantou a mosca que descansava sobre a borda do seu copo de cerveja e sorveu o último gole. – Trás outra! – gritou Nadinho ajeitando-se sobre a mesa. Valdomiro trouxe a cerveja e colocou-a sobre o balcão. Nadinho encaçapou novamente, depois, estrategicamente colou uma bola noutra. Guilherme escorou o queixo no taco, observou a mesa com um olhar fixo, compenetrado, e depois fez a sua jogada. O cara ao lado fez uma careta e misturou mais um pouco de Coca na sua cachaça, nada caiu, e assim foi praticamente durante todo o jogo. Era a nêga, e Guilherme havia perdido. Perdera a nêga e os únicos cinqüenta reais que tinha. “Cinqüentinha”, pensou Guilherme enquanto saía do bar escondendo os olhos do sol. Tragédia não era ter perdido cinqüenta “pila” na sinuca, mas sim, ter que encarar Joana em casa. Aquilo sim seria barra, Guilherme imaginava Joana cuspindo fogo pela boca, com os olhos ameaçadores querendo engoli-lo vivo. Guilherme deu meia volta, entrou numa ruela, chutou um vira-lata que quase o mordeu e, alguns minutos depois bateu palmas em frente a casa de Janaina. Ela apareceu, pôs a cabeça para fora da janela, seus cabelos negros e longos deslizaram pela parede. Guilherme iluminou-se com aquela visão, os cabelos de Janaina era o quê ele mais gostava nela. Certa vez Guilherme quase casou-se com Janaina por causa dos seus cabelos negros. – Posso entrar? – perguntou Guilherme fazendo-se de acanhado. Janaina moveu a cabeça afirmativamente e foi abrir a porta desbotada. Guilherme entrou, sentou no sofá, pegou uma almofada e colocou sobre o colo. Janaina acendeu um mata-rato, deu uma tragada e olhou para Guilherme. – Ué, o que aconteceu para você aparecer? – perguntou Janaina. – Preciso de cinqüenta pila – disse Guilherme sem enrolar. – Você nunca mais apareceu e quando resolve dar as caras é para pedir dinheiro? – Tá achando que eu sou banco ou alguma idiota? – Me quebra esse galho Janaina – pediu Guilherme com a voz mansa. – Vai pedir para a Joana! – disse Janaina com indiferença. Guilherme acendeu um cigarro e olhou para a porta. Janaina fumava tranqüilamente, os cabelos caíam sobre suas costas. – Não posso, é para dar a ela. Janaina soltou uma gargalhada. – Você acha que eu vou te dar dinheiro para você levar para aquela mulher? Você está louco! Não mandei você me trocar por aquela bruxa. – Por favor… perdi na sinuca o dinheiro que recebi, e Joana está esperando que eu apareça em casa com ele – disse Guilherme desolado. – Diz a ela. Não foi você que disse que o amor perdoa tudo? – Você sabe como é Joana, não posso aparecer e dizer que perdi o dinheiro na sinuca. – E para mim pode? E ainda quer que eu o consiga para dá-lo a outra mulher! – É apenas um empréstimo para mim sair dessa enrascada. Por favor, Janaina, você não vai fazer isso comigo… vai? – Vou. Guilherme levantou, acendeu um outro cigarro e com passos arrastados aproximou-se de Janaina, olhou-a e suavemente passou-lhe a mão nos seus cabelos. Tragou o cigarro, lançou a fumaça para cima enquanto continuava a acariciar os cabelos negros de Janaina. – Teus cabelos são tão lindos! – disse Guilherme com a voz terna. – Não adianta vir com esse papo. – Você sabe que digo a verdade, sempre fui apaixonado por teu cabelo. Um dia vou fugir com você… Janaina levantou-se da cadeira e foi ao quarto sem dizer uma palavra. Guilherme ficou esperando-a voltar enquanto terminava de fumar o cigarro. Olhou para a cortina da porta até que Janaina surgiu por detrás dela, caminhou em direção à Guilherme e estendeu-lhe a mão. – Tome – disse Janaina mostrando-lhe o dinheiro. Guilherme pegou os cinqüenta reais da mão de Janaina, olhou para a nota e colocou-a no bolso. – Obrigado, você salvou minha pele – agradeceu Guilherme acariciando novamente os cabelos de Janaina. – Agora vai! – disse Janaina. Aliviado, Guilherme vira-se e vai embora, enquanto Janaina fica pensando na frase dita por ele no passado: “O amor perdoa tudo”.

Nenhum comentário: